Monday, November 20, 2006

CONSCIÊNCIA NEGRA E CHOCOLATE

O texto abaixo é de minha autoria e completa hoje, 1 ano de vida. O Sr. Roberto continua sua dança no calçadão de ônibus da Saúde e, infelizmente, MUITA GENTE continua a ver a vida de uma forma triste. E, para quê? Sejamos, verdadeiramente, humanos! Tenhamos em nossos corações os ensinamentos do único homem justo que existe até hoje e que é o mesmo para todo o sempre...

CONSCIÊNCIA NEGRA E CHOCOLATE

Por Rosi Alves

 Em um daqueles fins de tarde chuvosos da São Paulo que não dorme, “escorada” em um ponto de ônibus do bairro nobre e suburbano da Saúde, avistei Roberto. Negro. Nem velho nem jovem. Pai de família. O trabalhador ambulante, brasileiro-com-muito-orgulho-e-muito-amor, aproximou-se de mim, quase dançando, e disse: “Ei, moça, vai um chocolate Nestlé? Na minha mão só paga um real”. À nossa frente, colada num poste, uma folha. Quase um anúncio publicitário, com a seguinte chamada: “20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Viva Zumbi!”. Havia mais textos, enobrecendo a peça, mas isto não tinha nenhuma importância. Não naquele momento.

O assunto “consciência negra” nunca esteve tão em pauta em minha cabeça. Aproveitei a deixa e fiz a seguinte pergunta ao gracioso bailarino: “Ei, Roberto, o que você acha disto? (apontado o cartazete). E ele, sem pestanejar, fazendo um volteio que mais se aproximava de um passo de samba, disse: “E preto lá tem dia, é? Onde já se viu?!”. Tentei explicar-lhe que o Dia Nacional da Consciência Negra, “comemorado” em 20 de Novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares (1695), é sinônimo de conquista da população negra e evidencia, a cada ano, a luta deste povo que sussurra frente à alta administração do Estado brasileiro. Expliquei-lhe, também que, nos dias atuais, vemos o crescimento da participação de negros na sociedade. No começo, ele pareceu um tanto desinteressado, continuando com sua dança entre o poste e a fila do ponto de ônibus, descendo e subindo no meio fio da calçada. Mas, quando lhe falei que temos o rei do futebol, negro. O ministro da cultura, negro. Atores globais, negros... ele abriu um sorriso do tamanho da liberdade e exclamou: “Conquistamos nossa carta de alforria!”. 

Meu ônibus acabara de chegar. Despedi-me do bailarino ambulante e parti, não sei por que, com uma certa dose de dor na consciência, refletindo sobre aquela cena que, inicialmente, parecera-me totalmente insólita. Será o Brasil, de fato, um país não preconceituoso, que caminha, firmemente, para a democracia total e para o estágio de sociedade igualitária, como defende nosso presidente nordestino? Não... não estou convencida.

É fato que a maior parte da população brasileira é pobre. Também é fato que a maior parte, esmagadora maioria dos pobres, é negra. Isto lá é democracia? O racismo, maquiado, ainda permanece, latente e teimoso. Ele, simplesmente, permanece. Vivas ao tal herói ? É necessário cutucar, desobedecer, extremar ao extremo e torná-lo extremamente insignificante. Deve-se desmascarar os hipócritas, livres de preconceito e espalhadores da boa imagem nacional. Deve-se municiar, a cada dia, o povo tolo, de informações e fatos que demonstrem a real necessidade da batalha. De uma luta descente, válida, importante e necessária para a implantação, legítima, da inclusão social neste país. A lembrança do ambulante bailarino voltou-me forte à mente e eu o contemplei ternamente dançando no quilombo de Palmares. Viva Zumbi!? Dou vivas ao Roberto, negro, ambulante bailarino, brasileiro. Alguém aí quer um chocolate Nestlé?

Foto by arquivo google, again!rs